A Camorra de Nápoles: uma máfia com raízes populares
Quando se fala em máfia italiana, muitos pensam imediatamente na Cosa Nostra. No entanto, existe uma outra organização igualmente poderosa e temida: a Camorra, baseada principalmente em Nápoles e na região da Campânia. Com uma estrutura diferente, raízes profundas na sociedade local e atuação extremamente violenta, a Camorra se tornou uma das máfias mais complexas da Europa.
Neste artigo, você vai conhecer a origem, as características, os métodos e o impacto social da Camorra napolitana.
Como surgiu a Camorra?
Diferente da Cosa Nostra, que nasceu na Sicília rural, a Camorra surgiu em meio urbano. Sendo assim, acredita-se que ela tenha começado ainda no século XVIII, nas prisões de Nápoles, durante o período do Reino das Duas Sicílias.
Inicialmente, os camorristas organizavam-se dentro das cadeias para controlar o tráfico de influência entre os presos. Com o tempo, eles levaram essa organização para fora dos muros e passaram a dominar bairros inteiros da cidade, controlando comércio, segurança e até eleições.
Após a unificação da Itália, a Camorra se fortaleceu ainda mais, aproveitando a ausência de um poder estatal firme e a pobreza das classes populares para se apresentar como uma alternativa de autoridade e proteção.
Estrutura e funcionamento da Camorra
Ao contrário da Cosa Nostra, que segue uma hierarquia rígida, a Camorra opera por meio de clãs independentes, chamados de “famílias” ou “grupos”, que compartilham alianças ou travam guerras entre si.
Esses clãs geralmente controlam:
- Um bairro ou zona específica de Nápoles ou região metropolitana;
- O tráfico de drogas em determinada área;
- Atividades de extorsão localizadas;
- Lavagem de dinheiro através de pequenos comércios.
Essa fragmentação estrutural torna a Camorra mais difícil de combater. Assim, quando um clã é desmantelado, outro rapidamente ocupa seu lugar, sem depender de uma liderança central.
Como a Camorra lucra com o crime
A Camorra atua em uma série de atividades ilícitas, algumas extremamente lucrativas. Entre as principais estão:
- Tráfico de drogas: especialmente cocaína, heroína e haxixe. Os clãs controlam os pontos de venda nas ruas e também importam grandes carregamentos;
- Extorsão (o “racket”): comerciantes pagam taxas mensais para não sofrerem retaliações;
- Contrabando de cigarros: ainda é uma atividade forte em Nápoles;
- Gestão de resíduos ilegais: um dos mercados mais escandalosos, com despejo de lixo tóxico em áreas rurais do sul da Itália;
- Apostas ilegais e jogos clandestinos.
Além disso, muitos clãs possuem negócios legais, como pizzarias, bares, estacionamentos e empresas de transporte, que funcionam como ferramentas de lavagem de dinheiro.
A presença da Camorra nos bairros populares
Uma das marcas mais fortes da Camorra é sua presença nas comunidades mais pobres. Ao contrário da Cosa Nostra, que buscava discrição, a Camorra tem presença visível e diária nas ruas.
Os camorristas:
- Distribuem cestas básicas para moradores;
- Ajudam financeiramente famílias de presos;
- Oferecem empréstimos informais;
- Promovem festas e eventos locais.
Essas ações não são altruístas, mas estratégicas: criam uma rede de lealdade e medo entre os moradores, que evitam denunciar os clãs, mesmo diante de abusos.
A violência como ferramenta de poder
A Camorra é notória por seu nível de violência extrema. Os conflitos entre clãs rivais — chamados de “faide” — frequentemente resultam em tiroteios em áreas urbanas, com mortes de inocentes.
Em diversos momentos da história recente, Nápoles registrou picos de homicídios, principalmente entre jovens envolvidos com o tráfico. Frequentemente, adolescentes são recrutados como “soldados” por clãs em guerra, servindo como mão de obra barata e descartável.
Essa realidade gera então um ciclo de violência e exclusão social, alimentado pela ausência de oportunidades e pelo abandono do Estado.
Casos emblemáticos: o clã Casalesi
Entre os muitos clãs camorristas, o clã Casalesi, com base na cidade de Casal di Principe, é um dos mais famosos. Ele se destacou assim por sua atuação organizada, empresarial e violenta, além de seus laços com políticos e empresários.
O jornalista Roberto Saviano, autor do livro Gomorra, revelou detalhes chocantes sobre esse grupo. Por isso, ele vive sob proteção policial permanente desde 2006.
A obra de Saviano e sua adaptação para o cinema e a TV deram visibilidade internacional à Camorra, mostrando como ela controla bairros inteiros e envenena as estruturas legais da cidade.
O Estado contra a Camorra
Nas últimas décadas, o governo italiano intensificou o combate à Camorra com estratégias como:
- Prisão de líderes e colaboradores;
- Confisco de bens e empresas envolvidas em lavagem de dinheiro;
- Incentivo a denúncias e proteção a testemunhas;
- Programas de reabilitação para jovens em risco.
Apesar disso, a Camorra continua ativa, especialmente em Nápoles e municípios vizinhos. A fragmentação de seus clãs dificulta o desmantelamento total da organização.
Como a sociedade reage
Movimentos civis, organizações sociais e cidadãos engajados lutam para quebrar o domínio da Camorra sobre as comunidades. Iniciativas tais como:
- Uso social de bens confiscados (como transformar a casa de um mafioso em biblioteca pública);
- Projetos educativos nas escolas;
- Trabalho com jovens em bairros dominados por clãs;
…têm ajudado a criar uma nova geração menos tolerante à presença mafiosa.
O que a Camorra representa para a Itália de hoje
A Camorra representa não apenas uma organização criminosa, mas também um sintoma das falhas sociais e institucionais do Estado italiano. Sua permanência reflete:
- Desigualdade;
- Abandono estatal;
- Corrupção local;
- Falta de oportunidades para os jovens.
Lutar contra a Camorra exige mais do que repressão policial. É preciso transformar as condições que alimentam seu crescimento, fortalecendo assim a educação, a cultura e o Estado de direito.

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