A Máfia Italiana: estrutura, códigos e funcionamento
A máfia italiana não é apenas um grupo criminoso. Trata-se de um sistema estruturado, hierárquico e altamente organizado, que opera de forma silenciosa, porém eficiente. Para entender como ela atua, é necessário mergulhar em sua estrutura interna, nos seus códigos de conduta e nos mecanismos que garantem seu funcionamento ao longo de décadas.
Como a máfia se organiza internamente
Ao contrário do que muitos imaginam, a máfia italiana — em especial a Cosa Nostra — funciona como uma verdadeira empresa. Entretanto, em vez de produtos ou serviços legais, ela comercializa proteção, influência e medo. A estrutura interna se assemelha a uma pirâmide, onde cada membro conhece seu papel e respeita uma hierarquia rígida.
No topo da organização está o “capo di tutti capi” (chefe de todos os chefes), embora essa posição tenha se tornado simbólica nos últimos anos. Logo abaixo, surgem:
- Os capi (chefes de clã), que controlam territórios específicos;
- Os sottocapi (subchefes), que atuam como vice-líderes e conselheiros;
- Os consiglieri (conselheiros), responsáveis por mediar disputas internas;
- Os soldati (soldados), encarregados das ações práticas e execuções;
- Os associati, que colaboram com a máfia, mas não fazem parte oficialmente da estrutura.
Como os membros são escolhidos
A entrada oficial na máfia exige um ritual de iniciação. Geralmente, esse processo inclui:
- Uma apresentação por um membro ativo;
- A aprovação dos chefes;
- Um juramento de lealdade à organização, conhecido como “o juramento de sangue”.
Durante a cerimônia, os iniciados queimam a imagem de um santo enquanto prometem fidelidade eterna à máfia. Assim, eles demonstram que, a partir daquele momento, obedecerão à organização acima de tudo — inclusive da própria família.
Quais são os principais códigos da máfia
O funcionamento da máfia depende de códigos que, embora não escritos, são amplamente conhecidos e respeitados. Entre eles, destacam-se:
- Omertà: o mais famoso de todos, é o pacto de silêncio absoluto. Nenhum membro deve colaborar com as autoridades, sob pena de morte.
- Onore: a honra, apesar de contraditória no contexto criminal, serve como justificativa para ações violentas. Ferir a honra de um mafioso pode gerar uma guerra interna.
- Fidelidade: todos os integrantes devem seguir ordens sem questionar. A traição é considerada imperdoável.
- Justiça interna: os conflitos entre membros são resolvidos dentro da própria máfia, muitas vezes com arbitragem feita pelo consigliere.
Esses códigos garantem o controle social e disciplinar dentro da organização, evitando que disputas internas enfraqueçam o grupo.
Como a máfia se sustenta financeiramente
A máfia italiana desenvolveu uma série de fontes de renda ilegais — e algumas legais — que financiam sua operação. Entre as principais estão:
- Extorsão (pizzo): comerciantes são obrigados a pagar uma “taxa de proteção” mensal;
- Tráfico de drogas: embora a Cosa Nostra tenha hesitado em entrar nesse ramo, hoje ele representa uma das maiores fontes de receita;
- Contrabando: cigarro, armas e outros produtos são movimentados ilegalmente;
- Fraudes fiscais e lavagem de dinheiro: empresas de fachada ajudam a legalizar o dinheiro do crime;
- Infiltração em contratos públicos: por meio de empresas controladas, a máfia participa de obras públicas e licitações, principalmente no sul da Itália.
Além disso, a máfia tem investido em negócios legais, como construção civil, turismo, restaurantes e até energias renováveis, tudo para parecer respeitável aos olhos da sociedade.
Como a máfia mantém o controle sobre territórios
A máfia não governa apenas com violência. Na verdade, ela usa uma mistura de medo, influência e prestação de “serviços” paralelos ao Estado. Em comunidades onde o governo é ausente, a máfia oferece:
- “Segurança” contra roubos ou vandalismos;
- Solução de disputas familiares ou comerciais;
- Empréstimos rápidos — com juros altíssimos, claro.
Esses serviços geram lealdade forçada entre os moradores, que preferem não denunciar a máfia e, muitas vezes, até a defendem.
Como a máfia se comunica
Para evitar interceptações, os mafiosos adotam linguagens codificadas, recados indiretos e encontros presenciais. Além disso, evitam o uso de celulares e internet, especialmente em níveis mais altos da hierarquia.
Em algumas regiões, os recados ainda são passados por “pizzini”, pequenos pedaços de papel com mensagens curtas e codificadas. O mafioso Bernardo Provenzano, por exemplo, ficou famoso por usar esse método durante anos.
Como o Estado combate essa estrutura
Nos últimos 30 anos, o Estado italiano intensificou o combate à máfia com diversas estratégias, como:
- Criação de leis específicas para o crime organizado;
- Prisões em regime de isolamento total (41-bis) para chefes mafiosos;
- Confisco de bens e empresas usadas para lavagem de dinheiro;
- Incentivo à colaboração de ex-mafiosos (os chamados “pentiti”);
- Fortalecimento de órgãos especializados, como a Direzione Investigativa Antimafia (DIA).
Apesar disso, a máfia continua ativa, embora mais discreta e descentralizada.
O que torna a máfia tão resiliente?
A máfia italiana sobrevive porque se adapta às mudanças sociais e tecnológicas. Mesmo com perdas de líderes importantes, ela encontra novas formas de operar — agora com foco em atividades econômicas, influência política e uso estratégico da violência.
Além disso, a cultura do silêncio e a desconfiança no Estado em regiões mais carentes facilitam sua permanência.
O que podemos aprender com o estudo da máfia
Estudar a estrutura da máfia italiana nos ajuda a entender como organizações criminosas evoluem, se fortalecem e se infiltram nas instituições. Mais do que uma rede de criminosos, ela representa um modelo alternativo de poder, construído sobre o medo, a lealdade e a corrupção.
A conscientização da sociedade, a atuação firme do Estado e o fortalecimento das instituições democráticas são os caminhos mais eficazes para enfraquecer esse sistema — que, apesar de abalar, ainda não foi derrotado.
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