Como a máfia se relacionou com o tráfico de drogas
Ao longo do século XX, o tráfico de drogas se tornou uma das atividades mais lucrativas do crime organizado. Embora, inicialmente, as máfias italianas hesitassem em se envolver com entorpecentes, a perspectiva de lucros bilionários mudou essa postura. Atualmente, as conexões entre a máfia e o narcotráfico são amplamente documentadas, especialmente no que diz respeito à Cosa Nostra e à ‘Ndrangheta.
Neste artigo, você vai entender como essas organizações entraram no mercado de drogas, quais são os seus métodos de atuação e como elas se tornaram peças-chave em redes globais de tráfico.
A resistência inicial da Cosa Nostra
Nos primeiros anos, a máfia italiana evitava o envolvimento direto com drogas, especialmente a Cosa Nostra. Muitos dos primeiros chefes mafiosos consideravam o narcotráfico algo “sujo”, que traria atenção negativa e aumentaria os riscos de repressão do Estado.
Por outro lado, as organizações já lucravam com outros tipos de atividades ilegais, como:
- Extorsão;
- Contrabando de cigarro;
- Apostas clandestinas;
- Imobiliárias de fachada;
- Infiltração em contratos públicos.
Entretanto, a partir da década de 1950, esse cenário começou a mudar.
O envolvimento gradual no tráfico
Com a imigração italiana para os Estados Unidos e a conexão entre mafiosos sicilianos e ítalo-americanos, novas oportunidades surgiram. Então, a máfia passou a atuar como intermediária entre produtores de heroína no Oriente Médio e distribuidores nos EUA.
Esse esquema ficou conhecido como “A Rota da Sicília”, responsável por abastecer os Estados Unidos com grandes quantidades de heroína nas décadas de 1960 e 1970.
Durante esse período, a máfia:
- Utilizava laboratórios clandestinos em Palermo e Marselha;
- Operava rotas marítimas com navios de carga e pesca;
- Lavava dinheiro em hotéis e restaurantes;
- Protegia os carregamentos com subornos a autoridades.
Aos poucos, a Cosa Nostra abandonou sua resistência ideológica e passou a ver o tráfico como fonte principal de renda.
O Caso Pizza Connection
Um dos episódios mais marcantes da ligação entre máfia e drogas foi o Caso Pizza Connection, ocorrido entre os anos 1970 e 1980.
Nesse caso:
- A máfia usava pizzarias nos Estados Unidos como fachada para distribuir heroína;
- A droga vinha da Europa e era enviada junto com suprimentos de cozinha;
- O lucro era reinvestido em empresas legais nos EUA e na Itália.
A operação foi desmantelada pelo FBI em 1984, e o julgamento durou mais de um ano, sendo considerado o mais longo da história judicial dos Estados Unidos até então.
Mesmo assim, a estrutura do tráfico permaneceu ativa.
A entrada da ‘Ndrangheta e o domínio da cocaína
Enquanto a Cosa Nostra perdeu parte de sua força nas décadas seguintes, a ‘Ndrangheta da Calábria aproveitou o vácuo de poder e assumiu um papel protagonista no tráfico de drogas, especialmente da cocaína.
Diferente da Cosa Nostra, a ‘Ndrangheta:
- Estabeleceu contato direto com cartéis sul-americanos, especialmente na Colômbia e no Brasil;
- Montou rotas logísticas próprias por meio de portos italianos, como o de Gioia Tauro;
- Criou células operacionais em outros países europeus, como Alemanha, Bélgica e Holanda.
Sendo assim, a máfia calabresa se tornou, segundo a Europol, a maior importadora de cocaína da Europa.
Métodos usados para traficar drogas
A máfia utiliza diversos métodos para transportar, armazenar e distribuir drogas. Entre os mais comuns, estão:
- Contêineres camuflados em cargas legais (frutas, plásticos, maquinário);
- Barcos de pesca ou veleiros com rotas desviadas;
- Aviões particulares com tripulações pagas;
- Subornos em portos e alfândegas para liberação de cargas;
- Armazenamento em galpões de empresas de fachada.
Além disso, a distribuição em território europeu ocorre por meio de redes locais de microtraficantes, que pagam pedágios para operar nos territórios controlados por clãs mafiosos.
A lavagem do dinheiro do tráfico
Após a venda, o dinheiro precisa ser limpo para parecer legal. Por isso, a máfia investe em:
- Restaurantes, cafés e supermercados;
- Empresas de transporte e logística;
- Construtoras e imóveis de luxo;
- Negócios rurais e agroindustriais.
Por meio dessas empresas, o dinheiro do tráfico entra no sistema financeiro e pode ser movimentado legalmente, dificultando assim sua rastreabilidade.
O impacto social e político do tráfico
A entrada da máfia no tráfico de drogas aumentou seu poder econômico e político. Com mais recursos, as organizações criminosas passaram a:
- Financiar campanhas eleitorais locais;
- Comprar apoio de policiais, fiscais e juízes corruptos;
- Oferecer empregos e ajuda financeira em comunidades pobres, gerando lealdade popular;
- Expandir sua atuação para países vizinhos.
Além disso, o tráfico gerou um aumento exponencial da violência, especialmente em guerras entre clãs rivais por pontos de venda e rotas logísticas.
A resposta do Estado italiano e da União Europeia
Para combater esse avanço, o governo italiano e instituições europeias vêm adotando uma série de medidas, tais como:
- Operações conjuntas entre polícias de diferentes países;
- Monitoramento de movimentações bancárias suspeitas;
- Confisco de bens e bloqueio de contas;
- Acordos com países sul-americanos para interceptar carregamentos na origem;
- Adoção de tecnologias avançadas em portos e fronteiras.
Apesar disso, especialistas alertam que o tráfico continua sendo a principal fonte de renda da máfia.
Conclusão: a droga como motor da máfia moderna
Hoje em dia, não há como entender a máfia italiana sem considerar seu envolvimento com o tráfico de drogas. Assim, o que começou como um tabu se transformou em uma engrenagem essencial para sua expansão, poder e influência internacional.
Portanto, combater o narcotráfico significa, na prática, atacar diretamente o coração financeiro da máfia. É uma luta complexa, que exige cooperação global, inteligência estratégica e coragem política.

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