O papel da máfia durante a Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial foi um dos períodos mais turbulentos da história moderna, e seu impacto atingiu todas as esferas da sociedade — inclusive o submundo do crime. Nesse contexto, a máfia italiana, especialmente a Cosa Nostra, não apenas sobreviveu, mas encontrou novas oportunidades para se fortalecer e expandir sua influência.
Com o colapso do regime fascista e a chegada das tropas aliadas ao sul da Itália, a máfia reassumiu seu papel como poder paralelo, ocupando os vazios deixados pelo Estado e colaborando com forças de ocupação. Essa aliança inesperada entre o crime organizado e o esforço de guerra revela um capítulo surpreendente e muitas vezes negligenciado da história da máfia.
Antes da guerra: repressão fascista e declínio aparente
Durante os anos 1920 e 1930, o regime fascista de Benito Mussolini lançou uma campanha implacável contra a máfia. Com o objetivo de consolidar o controle estatal sobre o sul da Itália, o governo nomeou Cesare Mori, o “prefeito de ferro”, para liderar operações de repressão na Sicília.
Mori utilizou métodos brutais para desmantelar a Cosa Nostra, prendendo milhares de suspeitos, destruindo redes criminosas e promovendo julgamentos públicos. Por um breve período, parecia que a máfia havia sido derrotada. No entanto, essa repressão não eliminou a organização — apenas a empurrou para a clandestinidade.
A queda do fascismo e a retomada do poder
Com o colapso do fascismo em 1943 e a invasão da Sicília pelas forças aliadas, a máfia enxergou uma oportunidade única de retornar ao poder. A ausência de um governo funcional e a necessidade urgente de estabilizar a região permitiram que mafiosos se apresentassem como aliados locais úteis.
Muitos líderes mafiosos, que haviam sido reprimidos por Mussolini, foram libertados pelas tropas americanas e britânicas. Em algumas cidades sicilianas, os Aliados nomearam figuras conhecidas da máfia como prefeitos interinos, por considerá-los os únicos capazes de manter a ordem. Assim, a máfia voltou ao centro do poder político local — não como inimiga, mas como colaboradora.
A Operação Husky e a influência dos EUA
Durante a Operação Husky, que marcou a invasão aliada da Sicília em julho de 1943, há registros históricos de que os serviços de inteligência dos Estados Unidos, como o OSS (precursor da CIA), buscaram o apoio de figuras da máfia ítalo-americana para facilitar a missão.
Um dos nomes mais citados é Lucky Luciano, um dos principais chefes da máfia em Nova York. Ele teria colaborado com a Marinha americana para garantir a segurança nos portos de Nova York e auxiliar na invasão da Sicília. Embora haja controvérsias sobre o alcance real dessa colaboração, ela simboliza o tipo de aliança pragmática que emergiu durante o conflito.
A partir dessa relação, a máfia passou a ocupar um papel ambíguo: oficialmente combatida, mas extraoficialmente tolerada — e em alguns casos, instrumentalizada — por interesses estratégicos.
O fortalecimento no pós-guerra
Ao fim da guerra, a Itália mergulhou em um período de reconstrução e instabilidade. A máfia aproveitou o momento para ampliar sua atuação, infiltrando-se em administrações locais, redes de abastecimento e contratos públicos. A escassez de bens e serviços gerou um mercado negro lucrativo, dominado quase inteiramente pelas famílias mafiosas.
Além disso, os mafiosos passaram a atuar como “intermediários” entre a população e o Estado, oferecendo favores, segurança e acesso a recursos em troca de lealdade e silêncio. Assim, reconstruíram sua rede de influência, agora com uma imagem mais “moderna” e adaptada ao novo cenário político.
A máfia como poder alternativo
Durante e após a guerra, o Estado italiano enfrentava dificuldades para se reorganizar, especialmente nas regiões mais pobres do sul. A máfia preencheu esse vácuo institucional oferecendo proteção, resolução de conflitos e serviços básicos — embora tudo isso fosse mediado por coerção, ameaças e interesses próprios.
Essa função de poder alternativo ajudou a legitimar a presença da máfia em comunidades locais, tornando-a, aos olhos de muitos, uma entidade quase necessária. Assim, ela deixou de ser apenas uma organização criminosa e passou a atuar como uma força social e política real, moldando o destino de cidades inteiras.
Conclusão: um legado de influência e adaptação
A atuação da máfia durante a Segunda Guerra Mundial revela uma das principais características dessas organizações: a capacidade de se adaptar a qualquer cenário — inclusive a um conflito global. Longe de serem vítimas do caos, os mafiosos souberam explorá-lo para garantir sua sobrevivência e ampliação do poder.
Essa fase marcou a transição da máfia tradicional, centrada em pequenas localidades, para uma estrutura mais ampla, com forte atuação política e econômica. A colaboração com forças aliadas, o domínio do mercado negro e a infiltração no Estado durante o período pós-guerra foram fundamentais para consolidar a máfia como uma das entidades mais resilientes da história contemporânea italiana.
Portanto, ao estudar o papel da máfia na Segunda Guerra Mundial, entendemos não apenas um capítulo histórico, mas também a base de um sistema que ainda influencia a sociedade italiana até hoje.
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