Operação “Aemilia”: o golpe contra a ‘Ndrangheta no norte da Itália
Durante décadas, a ‘Ndrangheta — máfia originária da Calábria — foi vista como um fenômeno limitado ao sul da Itália. No entanto, a Operação Aemilia, deflagrada em 2015, expôs uma realidade muito mais ampla e alarmante: essa organização criminosa havia se infiltrado profundamente na economia, política e sociedade da próspera região da Emília-Romanha, no norte do país.
Com mais de 200 mandados de prisão e o maior julgamento contra a máfia já realizado fora do sul da Itália, a operação revelou como a ‘Ndrangheta havia se transformado em um império silencioso e eficiente — agindo com aparência de legalidade e alcance internacional.
O que foi a Operação Aemilia?
A Operação Aemilia foi uma investigação coordenada entre a Direzione Investigativa Antimafia (DIA), o Ministério Público de Bolonha, a polícia italiana e outras forças de segurança. Ela teve como alvo a ‘Ndrangheta calabresa, especialmente o clã Grande Aracri, que havia expandido suas atividades para o norte da Itália, sobretudo na cidade de Reggio Emilia.
A operação teve início em janeiro de 2015, após anos de escutas telefônicas, vigilância e análise de documentos. As investigações então revelaram um sistema altamente sofisticado de corrupção, lavagem de dinheiro, fraudes fiscais e manipulação de contratos públicos.
Como a máfia se infiltrou no norte?
Ao contrário da violência explícita usada no sul da Itália, no norte a ‘Ndrangheta agiu de forma mais discreta e estratégica. Assim, ela se estabeleceu por meio de:
- Empresas de fachada no setor da construção civil
- Acordos com empresários locais para vencer licitações públicas
- Alianças com políticos e servidores corrompidos
- Lavagem de dinheiro em restaurantes, bares e até clubes esportivos
- Exploração de trabalhadores migrantes em condições degradantes
Essa abordagem camuflada dificultou a percepção do problema pela sociedade e atrasou as investigações por anos.
O clã Grande Aracri: cérebro e comando da operação
No centro da Operação Aemilia estava o clã Grande Aracri, liderado por Nicolino Grande Aracri, considerado um dos chefes mais poderosos da ‘Ndrangheta moderna. Ele coordenava as atividades do grupo a partir da Calábria, mas tinha braços ativos em regiões como Parma, Modena, Piacenza e Reggio Emilia.
A rede contava com contadores, advogados, empresários, engenheiros e até candidatos a cargos públicos, todos ligados por interesses econômicos e omissão criminosa.
O julgamento e as condenações
A Operação Aemilia resultou em um megajulgamento iniciado em 2016, com mais de 200 acusados. O processo ocorreu em Reggio Emilia, dentro de um tribunal blindado construído especialmente para o caso.
As acusações incluíam:
- Associação mafiosa
- Extorsão
- Lavagem de dinheiro
- Fraude em licitações públicas
- Ameaças e intimidação
Em 2018, mais de 120 pessoas foram condenadas, incluindo empresários, servidores públicos e líderes mafiosos. As penas somaram mais de 1.200 anos de prisão — um marco histórico na luta contra a máfia no norte do país.
Por que a Operação Aemilia foi tão importante?
A operação teve um impacto profundo por vários motivos:
- Desmascarou a presença da máfia fora do sul da Itália, onde muitos acreditavam que ela não atuava com força.
- Mostrou como a máfia se transforma para parecer “empresa” e não organização criminosa.
- Envolveu figuras respeitadas da sociedade civil, assim revelou a profundidade da corrupção institucionalizada.
- Inspirou outras investigações e ações judiciais em regiões tradicionalmente consideradas livres da máfia.
A Aemilia também provocou um intenso debate nacional sobre a necessidade de combater a máfia não apenas com ações policiais, mas com educação, transparência e participação cidadã.
A resposta da sociedade civil
Após a revelação dos fatos, associações antimafia e movimentos civis se mobilizaram em várias cidades da Emília-Romanha. Assim, marchas pela legalidade, debates públicos e ações educativas ganharam força, especialmente entre os jovens.
Organizações como a Libera, liderada por Dom Luigi Ciotti, passaram a atuar diretamente com escolas e comunidades locais, levando informação e promovendo resistência cultural ao crime organizado.
Conclusão: o norte da Itália acordou
Em síntese, a Operação Aemilia foi um divisor de águas. Ela quebrou o mito de que a máfia era apenas um problema do sul e revelou como o crime organizado pode se infiltrar até nos lugares mais desenvolvidos do país. Assim, o norte da Itália acordou para a realidade de que ninguém está imune — e que a vigilância cidadã é essencial para preservar a democracia e a justiça.
Mais do que uma ação policial, a Aemilia foi uma chamada de atenção nacional. Entretanto, seu legado continua sendo construído por aqueles que escolheram dizer não ao silêncio.

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